31 março, 2013

«Não nos ardia cá dentro o coração?!»




Queridos irmãos e irmãs carmelitas, a minha saudação pascal! É tempo de Páscoa, é tempo de reconhecer que, no caminho de cada dia, não caminhamos sós, mas há Alguém que discretamente caminha ao nosso lado. Estamos acompanhados por Jesus Ressuscitado que dá um sentido novo à nossa existência! Os discípulos de Emaús também se sentiram acompanhados. Reconheceram Jesus na Fracção do Pão e partilharam um com o outro: «Não nos ardia cá dentro o coração!?».
A celebração da eucaristia é um mistério de luz e de amor. É mistério de luz porque ao partir o Pão, a luz do Ressuscitado invade o nosso coração e na Sua luz abrem-se os nossos olhos que começam a ver o que antes estava velado; é mistério de amor, porque em cada eucaristia, o nosso coração é invadido pelas torrentes da caridade divina do próprio amor de Jesus ressuscitado!
O encontro com Jesus, o acolhimento da Sua amizade e companhia introduziu rupturas na vida dos discípulos de Emaús que estavam de costas voltadas para a comunidade. Consciencializaram a profunda tristeza e desilusão em que estavam mergulhados e arrepiaram caminho, mudaram de sentido, deixaram a direcção de Emaús, símbolo do individualismo solitário e triste, e voltaram-se para Jerusalém; partiram ao encontro da comunidade dos discípulos, recuperando a alegria e o entusiasmo. Na verdade, o encontro com Jesus cria a necessidade do encontro e comunhão com os outros discípulos para partilhar e celebrar a alegria numa comunidade de fé, de vida e de amor.
Ao partirmos o pão quotidiano em cada eucaristia, também nós somos empurrados pelo Ressuscitado para fora de nós mesmos, para fora da casa fechada do nosso egoísmo e enviados para a comunidade - o lugar da comunhão, da festa e do amor partilhado, o lugar onde se encarna a comunidade trinitária sobre a terra!
Nós, carmelitas, somos homens e mulheres que vivem o seguimento de Jesus Cristo formando comunidades que se alimentam do essencial cristão pela escuta da Palavra de Deus, pela experiência pascal, pela fé no Crucificado e Ressuscitado, pelo tom carismático que a Virgem Maria e os nossos fundadores nos legaram. As nossas comunidades, sejam de consagrados ou de fiéis leigos, hão-de ser centros de irradiação da fé, do amor e da compaixão de Deus, traduzidos em obras e gestos salvíficos.
Hoje, a Igreja identifica particulares sinais de esperança com a eleição do Papa Francisco. Os seus primeiros gestos e palavras interpelam a grande comunidade de comunidades que é a Igreja. A aparição deste pastor universal à frente da Igreja traz-nos um convite à pobreza, à simplicidade e radicalidade evangélicas. Convida-nos a reconhecer Jesus nos caminhos e nas pousadas, a deixarmo-nos invadir pela luz e amor do Ressuscitado e a partir em direcção aos outros, à comunidade, levando a alegria transbordante da fé pascal. A fidelidade transparente ao Evangelho sensibiliza, arrasta, dá esperança a crentes e não crentes, toca e aquece os corações… Saibamos ler estes sinais programáticos que evangelizam por irradiação e pelo testemunho.
E nós, carmelitas, como é que nos situamos diante desta evidência que a frescura do Evangelho incarnado exerce? De que estamos à espera? Também nós precisamos de devolver à Igreja, à nossa Ordem, às nossas comunidades e às nossas vidas pessoais o verdadeiro rosto de Cristo Ressuscitado com o fermento transformador do Seu Evangelho. Os hábitos, os rituais, a idade, os costumes, as estruturas tendem a arrastar-nos para uma certa mediocridade, rotina e conformismo, perdendo a relevância do poder desafiante de Jesus. Não nos acomodemos, deixemos Emaús e partamos para Jerusalém!
O Papa Francisco na sua Missa inaugural exortava-nos: «Não devemos ter medo da bondade, ou mesmo da ternura. (…) A ternura (…) não é a virtude dos fracos, antes pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura!» A ternura e a bondade são a face visível do amor invisível que arde no nosso coração e nas nossas comunidades.
            Estimados irmãos e irmãs carmelitas, consagrados e seculares, demo-nos conta como também o nosso coração arde na presença do Ressuscitado. Reconheçamo-Lo e convertamo-nos de novo a Ele e à vida em comunidade. Regressemos, depois de cada eucaristia, a Jerusalém, à comunidade, ao encontro com os outros discípulos de Jesus nesta vinha do Carmelo. Na partilha dos bens morais, intelectuais, materiais e, sobretudo, espirituais descobriremos o enorme potencial evangelizador da comunidade. É a partir de uma forte experiência de fraternidade que podemos partir para a missão, que seremos capazes de saltar para as periferias, indo de encontro aos que estão longe geográfica, afectiva e espiritualmente, edificando, nos gestos concretos de amor, na comunidade e na missão, o grande Corpo da Igreja, presente em toda a terra.
            Neste Dia de Páscoa e em todo o tempo pascal deixemo-nos atingir pela luz e calor da Ressurreição rezando com o Papa Bento XVI: «A explosão da vossa Ressurreição, Senhor, agarrou-nos no Baptismo para nos atrair. A vossa Ressurreição alcançou-nos e agarrou-nos. Senhor ressuscitado, a Vós nos agarramos, sabendo que nos segurais firmemente, mesmo quando as nossas mãos se debilitam. Agarrados à Vossa mão, Senhor, seguramos também, as mãos uns dos outros, tornamo-nos um único corpo», nesta grande comunhão de todos os baptizados (cf. Bento XVI, Homilia, 15 de Abril de 2006). Guardai-nos, Senhor, nesta grande comunhão de família cristã e carmelita e dai-no-la a saborear, desde já, na beleza de cada Liturgia celebrada, como antegozo da eternidade que nos espera!

Que Jesus Ressuscitado vos aqueça e ilumine o coração!
Santa Páscoa! Abraço-vos a todos com amizade, Pe Joaquim Teixeira, prov.

30 março, 2013

«A amigos muito queridos»




«Por nada vos deixeis inquietar; pelo contrário: em tudo, pela oração e pela prece, apresentai os vossos pedidos a Deus em acções de graças. Então, a paz de Deus, que ultrapassa toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus. De resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é respeitável, tudo o que possa ser virtude e mereça louvor, tende isso em mente. E o que aprendestes e recebestes, ouvistes de mim e vistes em mim, ponde isso em prática. Então, o Deus da paz estará convosco» (Fl 4,6-9).

Enquadramento e contexto

A passagem escolhida para beber na torrente da Bíblia é uma passagem da carta aos Filipenses. É já a parte final da carta e apresenta um leque de recomendações, destinadas a recordar aos filipenses algumas obrigações que resultam do seu compromisso com Cristo e com o Evangelho. Quando se põe a escrever a estes cristãos da cidade grega de Filipos, o apóstolo encontra-se preso (em Éfeso?), sem saber o que o futuro imediato lhe reserva.

Ensinamento

Os primeiros dois versículos do nosso texto (vv. 6-7) fazem parte de uma passagem mais longa, na qual o apóstolo aconselha aos cristãos de Filipos que vivam na alegria (vv. 4-7). Esta “alegria” não se confunde com gargalhadas histéricas ou com optimismos inconscientes; mas é a “alegria” que brota de uma vida de união com o Senhor, com tudo o que isso significa em termos de garantia de vida verdadeira e eterna. O cristão vive na alegria, pois a união com Cristo garante-lhe o acesso próximo (“o Senhor está próximo”) à vida plena. Daí desponta a serenidade, a paz, a tranquilidade, que permitem ao crente agarrar a vida sem medo e sentir-se seguro nos braços amorosos de Deus Pai (v. 6a). Ao crente, resta cultivar a união com Deus, entregando-Lhe diariamente a sua vida “com orações, súplicas e acções de graças” (v. 6b).
Depois (v. 8), Paulo sugere aos filipenses um conjunto de seis “qualidades” que eles devem desenvolver e apreciar: a verdade, a nobreza, a justiça, a pureza, a amabilidade e a boa reputação. Tudo isto é “virtude”, tudo isto é digno de louvor. Há quem olhe para este versículo como a “magna carta do humanismo cristão”. Estes valores não são tipicamente do Cristianismo: são valores sãos e louváveis, que fazem parte também do ideal pagão (eram valores igualmente tidos em conta pelos moralistas gregos da época). No entanto, a comunidade cristã deve estar receptiva ao acolhimento de todos os verdadeiros valores humanos. Os cristãos devem ser, antes de mais, arautos e testemunhas dos verdadeiros valores humanos.
Finalmente, o apóstolo exorta os filipenses a porem em prática estas recomendações segundo o exemplo que dele receberam (v. 9). O cristão tem de viver os valores humanos em confronto constante com o Evangelho e na fidelidade ao Evangelho. Às vezes, para não dizer muitas vezes, eles esquecem-se disso mesmo.

Acolher o ensinamento

As palavras de Paulo à comunidade de Filipos traçam alguns dos elementos concretos que devem marcar a nossa caminhada como discípulos do Senhor. Lendo e meditando o texto com atenção, somos capazes de reparar que o apóstolo convida os crentes a não viverem inquietos e preocupados. Os cristãos estão “enxertados” em Cristo e têm a garantia de com Ele ressuscitar para a vida plena. Eles sabem que as dificuldades, os dramas, as perseguições, as incompreensões são apenas acidentes de percurso, que não conseguirão arredá-los da vida verdadeira. Os discípulos de Cristo não são pessoas fracassadas, alienadas, falhadas, mas pessoas com um objectivo final bem definido e bem sugestivo. O caminho de Cristo é um caminho de dom e de entrega da vida; mas não é um caminho de tristeza e de frustração. Porquê, então, a tristeza, a inquietação, o desânimo com que, tantas vezes, enfrentamos as vicissitudes e as dificuldades da nossa caminhada? Os irmãos que nos rodeiam e que nos olham nos olhos recebem de nós um testemunho de paz, de serenidade, de tranquilidade?
Depois, Paulo convida os crentes a terem em conta, na sua vida, esses valores humanos que todos os homens apreciam e amam: a verdade, a justiça, a honradez, a amabilidade, a tolerância, a integridade… Um cristão tem de ser, antes de mais, uma pessoa íntegra, verdadeira, leal, honesta, responsável, coerente. Ouvimos, algumas vezes, dizer que “os que vão à Igreja são piores do que os outros”. Em parte, a expressão serve, sobretudo, a muitos dos chamados “cristãos não-praticantes” para justificar o facto de não irem à Igreja; mas não traduzirá, algumas vezes, o mau testemunho que alguns cristãos dão quanto à vivência dos valores humanos?

Orar com o ensinamento

Senhor, à primeira vista, impressiona-me como Paulo propôs aos seus cristãos os mesmos valores que constavam das listas de valores dos moralistas gregos da sua época… Mas, depois, descubro nessa proposta um convite da tua parte a reflectir sobre a nossa relação com os valores do mundo que nos rodeia e sobre a forma como os aceitamos e integramos na nossa vida. De facto, não nos podemos esconder atrás da nossa muralha fortificada e rejeitar, em bloco, tudo aquilo que o mundo de hoje nos proporciona, como se fosse algo de mau e pecaminoso. O mundo em que vivemos, tanto quanto me permites contemplar e saborear, tem valores muito bonitos e sugestivos, que nos ajudam a crescer de uma forma sã e equilibrada e a integrar uma realidade rica em desafios e esperanças. O que é necessário - e para isso te peço ajuda - é saber discernir, de entre todos os valores que o mundo nos apresenta, aquilo que nos torna mais livres e mais felizes e aquilo que nos torna mais escravos e infelizes, aquilo que não belisca a nossa fé e aquilo que ameaça a essência do Evangelho!…

Pe. Vasco

25 março, 2013

Os Croods


Na pré-história os Croods são uma família de seis que vive ao abrigo do sentido de protecção do patriarca. Confinando-os à caverna onde habitam e a uma escassa área em seu redor, Grug, o pai, crê ser esta a melhor forma de cuidar dos seus, não os expondo a nenhum tipo de ameaça... desnecessária.
Porém, quando um fenómeno incontrolável destrói a caverna e o idílio em que Grug imaginava poder viver para sempre, não resta aos Croods senão partirem em busca de um novo lugar para viver. Assim começa uma grande aventura que, sem evitar perigos lhes, proporcionará inúmeras descobertas e ótimas surpresas.
Desde 1998 que a Dreamworks Animation mantém em pleno o seu ritmo de produção cinematográfica pensado para o público mais novo, destacando-se filmes como o primogénito "Ant Z - Formiga Z", "O Príncipe do Egito", "Shrek", "Pular a Cerca", "Madagáscar", "O Panda do Kung Fu" e, mais recentemente, "O Gato das Botas"
Na sua linha, variando embora os estilos, temas abordados e equipas encarregues da concretização de cada projeto, permanecem o espírito de aventura e a preocupação de uma mensagem pedagogicamente válida.
Os filmes da Dreamworks veiculam valores universais como o espírito de entreajuda, a amizade, a abertura ao outro, sobretudo o desconhecido ou diferente, o respeito pela natureza, as virtudes da esperança ou da caridade e a importância do sentido para a vida – o que normalmente move as personagens a ultrapassar o que crêem ser os seus próprios limites.
"O Príncipe do Egipto" é um caso, de certa forma, à parte, não pela ausência de valores mas por provir de fonte própria – o livro bíblico do Êxodo.
Sem se desviar da linha a que a produtora nos habituou, "Os Croods" transformam-se na proposta da Páscoa para o público português mais novo.
Com pouco mais de hora e meia de animada aventura, esta história de risco em que os ganhos resultam sempre superiores às perdas não evita o facilitismo de estereótipos que pouco contribuem para diferenciar o cinema como proposta de genuína interpelação humana.
Por outro lado o filme cumpre uma fórmula certeira com a passagem de uma mensagem positiva relativamente à disponibilidade para o desconhecido e à importância de se sair da zona de conforto para se poder ir mais longe – como pessoa e como família. Rejeitando o heroísmo individualista e transformando o que parece ser "o fim" num surpreendente "reinício". O que nos tempos que correm faz bom sentido.

24 março, 2013

INTIMIDADE E TRAIÇÃO!




1. Baptizado com o Espírito Santo no Jordão, confirmado com o Espírito Santo no Tabor, Jesus realizou a sua missão filial baptismal anunciando o Evangelho do Reino de Deus e fazendo as suas «obras». A sua «viagem» chega agora ao fim, na Judeia, em Jerusalém, onde o seu Baptismo deve(plano divino) ser consumado (ainda Lc 12,49-50) na sua Morte Gloriosa: única Fonte do Espírito Santo para nós (sempre Act 2,32-33; Jo 19,30 e 34; 7,38-39). A missão filial baptismal do Filho de Deus finalmente consumada! É que fomos, de facto, baptizados na sua Morte (Rm 6,3-4), e, com Ele, fomos  «com-sepultados», «com-ressuscitadoss», «com-vivificados» e «com-sentados» na Glória! (Ef 2,5-6; Cl 2,12-13: tudo verbos cunhados por Paulo e postos em aoristo (passado) histórico!). Formamos, por isso, «a Igreja que Ele amou» (Ef 2,25). A este amor de Cristo pela Igreja chama Paulo «o mistério grande» (Ef 5,32). Nós, a Igreja do amor de Cristo, somos, portanto, a Esposa bela, a nova Jerusalém (Ap 19,7-9; 21,2 e 9-10) que, juntamente com o Espírito, diz ao Senhor Jesus: Vem! (Ap 22,17).
 2. É esta Igreja bela, porque incondicionalmente amada, que acolhe hoje, Domingo de Ramos na Paixão do Senhor, com o coração em festa, o seu Senhor (Lucas 19,28-40), gritando jubilosamente: «Bendito o que vem em nome do senhor!».
 3. Acolhe-o jubilosamente, para depois discipularmente o seguir nos seus passos decisivos, de que aqui salientamos apenas alguns momentos. A partir do cenário apresentado no ponto 5., todos os dados são exclusivos de Lucas.
 4. O cenário da Ceia Primeira (não última!) mostra, caso único, Jesus na intimidade da mesa com os seus discípulos (Lucas 22,14-38). E é neste cenário de intimidade que o texto nos faz ver melhor as nossas traições: o anúncio da traição de Judas (Lucas 22,21-23, da tripla negação de Pedro (Lucas 22,31-34), a discussão sobre qual de nós é o maior (Lc 22,24-27).
 5. O cenário do Monte das Oliveiras (Lucas 22,39-46) abre e fecha com o importante dizer de Jesus que devemos conservar no coração: «ORAI para que não entreis na tentação» (Lucas 22,39 e 46). No meio do cenário, entre estas duas importantes advertências de Jesus, o texto diz que Jesus ORAVA de joelhos (Lucas 22,41) e que depois ORAVA com mais insistência ainda (Lucas 22,44). Em contraponto, os discípulos dormiam! (Lucas 22,45).
 6. O cenário seguinte mostra-nos a Prisão e o Processo de Jesus (Lucas 22,47-23,25), em que apenas salientamos dois momentos: Judas, que entrega Jesus com um beijo (Lucas 22,47), ouvindo de Jesus estas palavras que ainda hoje ecoam nos nossos ouvidos: «Judas, com um beijo entregas o Filho do Homem?» (Lucas 22,48). É outra vez a traição na intimidade! O segundo momento  é aquele olhar fixo de Jesus em Pedro, que o faz sair dali para chorar amargamente (Lucas 22,60-62).
 7. O caminho do Calvário é o cenário que aparece de seguida (Lucas 23,26-32). Vale a pena destacar dois momentos: o primeiro é para Simão de Cirene, que carrega a cruz «atrás de» Jesus (Lucas 23,26): com a sua cruz, «atrás de» Jesus, é a atitude do discípulo! (ver Lucas 9,23). O segundo é para as mulheres que choram. Merecem que Jesus olhe para elas e fale para elas: «Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai por vós e pelos vossos filhos!» (Lucas 23,27-28).
 8. Segue-se o cenário da Cruz (Lucas 23,33-49). Três notas: primeira: Lucas coloca ao lado de Jesus dois malfeitores. Mas um deles (o chamado «bom ladrão»: só em Lucas!) reconhece o seu erro, e olha para Jesus implorando graça: «Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu REINO» (Lucas 23,42). Jesus responde assim: «Hoje estarás COMIGO no Paraíso» (Lucas 23,43). Evoca, em contraluz, o COMIGO de Jesus com os seus discípulos, e o REINO para eles preparado! (Lucas 22,28-29). Segunda: a oração do Salmo 31,6, posta na boca de Jesus como sua última palavra, oração exclusiva deste Evangelho: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lucas 23,46). Confiança radical sempre. Terceira: a importante anotação de que os seus amigos e as mulheres que o SEGUIAM desde a Galileia o acompanhavam à distância, VENDO BEM todas estas coisas (Lucas 23,49). Atitude discipular. Como Maria, que conservava e compunha todos aqueles factos no seu coração (Lucas 2,19 e 51). Mas também o povo estava lá olhando a Cruz (Lucas 23,35) e meditando os acontecimentos da Cruz e batendo no peito (Lucas 23,48).
 9. O cenário do sepultamento de Jesus (Lucas 23,50-56). Salta à vista que Jesus é depositado num sepulcro novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado (Lucas 23,53). Mostra-se assim que Jesus é o Rei Messiânico esperado: o Rei é o primeiro em tudo. E continua na primeira linha o OLHAR ATENTO das mulheres (Lucas 23,55) e os perfumes que preparam (Lucas 23,56)  e que abrem já para a página nova da Ressurreição. Primeiro em tudo! Primogénito de muitos irmãos! (Romanos 8,29).
António Couto, In Mesa de Palavras

23 março, 2013

Fomos chamados para a liberdade




«Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes, e não vos sujeiteis outra vez ao jugo da escravidão. Irmãos, de facto, foi para a liberdade que vós fostes chamados. Só que não deveis deixar que essa liberdade se torne numa ocasião para os vossos apetites carnais. Pelo contrário: pelo amor, fazei-vos servos uns dos outros. É que toda a Lei se cumpre plenamente nesta única palavra: Ama o teu próximo como a ti mesmo. Mas, se vos mordeis e devorais uns aos outros, cuidado, não sejais consumidos uns pelos outros. Mas eu digo-vos: caminhai no Espírito, e não realizareis os apetites carnais. Porque a carne deseja o que é contrário ao Espírito, e o Espírito, o que é contrário à carne; são, de facto, realidades que estão em conflito uma com a outra, de tal modo que aquilo que quereis, não o fazeis. Ora, se sois conduzidos pelo Espírito, não estais sob o domínio da Lei» (Gl 5,1.13-18).

Enquadramento e contexto da passagem

Estamos perante um texto que aparece na parte final da Carta aos Gálatas. É o começo de uma reflexão acerca da verdadeira liberdade, que é fruto do Espírito (cf. Gl 5,1-6,10). Para melhor compreensão da mensagem, torna-se conveniente perguntar-nos pelo problema fundamental aí tratado: esta comunidade cristã está a ser incomodada por um grupo de judaízantes, isto é, cristãos provenientes do judaísmo, gente ainda agarrada à antiga lei, concretamente às suas regras, normas, disposições e práticas exteriores, as quais consideram também necessárias para chegar à vida em plenitude ou à salvação; e Paulo – para quem Cristo basta e para quem as obras da Lei já não dizem nada – procura fazer com que toda a comunidade não se sujeite mais a nenhum tipo de escravidão.

Ensinamento

As palavras do apóstolo são um convite enérgico à liberdade. Ele avisa os Gálatas que foi para a liberdade que Cristo os libertou (a repetição destina-se a dar ao verbo “libertar” um sentido mais intenso) e que não convém recair no jugo da escravidão (Paulo identifica essa escravidão com a Lei e a circuncisão). Mas o que vem a ser a liberdade para o cristão? Será que tem a ver com a faculdade de optar entre duas coisas distintas e opostas? Não. Será que tem a ver com uma espécie de independência ético-moral, em virtude da qual cada um pode fazer o que lhe dá na gana, sem impedimentos de qualquer espécie? Também não. Para Paulo, a verdadeira liberdade consiste em viver no amor. O que nos escraviza, nos limita e nos impede de atingir a vida em plenitude ou a salvação é o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência; mas vencer esse fechamento em nós próprios e fazer da nossa vida um dom de amor torna-nos autenticamente livres. Só é verdadeiramente livre aquele que se libertou de si próprio e vive para se dar aos outros. Como é que esta “liberdade” (a capacidade de amar, de dar a vida) nasce em nós? Ela nasce da vida que Cristo nos dá: pela adesão a Cristo, gera-se em cada pessoa um dinamismo interior que a identifica com Cristo e lhe dá uma capacidade infinita de amar, de ultrapassar o egoísmo, o orgulho e os limites. É o Espírito que alimenta, dia a dia, essa vida de liberdade (ou de amor) que se gerou em nós, a partir da nossa adesão a Cristo. Viver na escravidão é continuar a viver uma vida centrada em si próprio (cf. 5,19-21); viver na liberdade (“segundo o Espírito”) é sair de si e fazer da sua vida um dom, uma partilha (cf. 5,22-23).

Acolher o ensinamento

Os homens da nossa época anseiam por esse valor chamado “liberdade”; contudo, têm, frequentemente, uma ideia bastante egoísta deste valor essencial. Quando a liberdade se entende desde o eu, identifica-se com libertinagem: é a capacidade de eu fazer o que quero; é a capacidade de eu poder escolher; é a capacidade de eu poder tomar as minhas decisões sem que ninguém me entrave… Esta liberdade não provoca, tantas vezes, orgulho, egoísmo, auto-suficiência, isolamento e, portanto, escravidão? Para Paulo, só se é verdadeiramente livre quando se ama. Aí, eu não me prendo a nada do que é meu, deixo de viver obcecado comigo e com os meus interesses e estou sempre disponível para me partilhar com os meus irmãos. É esta experiência de liberdade que faz hoje tanta gente que não reserva a própria vida para si própria, mas faz dela uma oferta de amor aos irmãos mais necessitados. Como dar este testemunho e passar esta mensagem aos homens do nosso tempo, sempre obcecados com a verdadeira liberdade? Como dar a saber que só o amor nos faz totalmente livres?
Orar com o ensinamento

Nem é tarde nem é cedo: Senhor, vamos a isso. Era essa a liberdade que eu buscava…
Pe. Vasco

21 março, 2013

Edith Stein: o seu crescimento espiritual


VIVER O ESSENCIAL
Vamos tentar agora aproximar-nos dos elementos essenciais da vida quotidiana do Carmelo e que Edith faz seus. Fazem parte da sua vida diária. E embora não possamos penetrar na sua historicidade, podemos perceber o significado que tem para ela. Ao fim de contas, é nela que se fundamenta a sua vida e vocação no Carmelo.

A oração é elemento essencial do Carmelo, e  da vida de Edith. É razão da sua existência e a sua maneira de servir a Deus: “O nosso horário garante-nos de diálogo a sós com o Senhor, e nelas se fundamenta a nossa vida” (OC V, 564).  Já numa carta escrita nos primeiros meses no Carmelo (11 de Janeiro de 1634), escrevia: “A maioria das Irmãs, quando são chamadas ao locutório, consideram-no uma penitência. É a sempre um passo para um mundo estranho, e fica-se feliz quando se regressa novamente à paz do coro, e assimilar diante do sacrário o que foi encomendado a cada uma. Todos os dias, eu sinto esta paz como um magnífico dom da graça, que não é dado só a mim; e se alguém se aproximar de nós, abatido e cansado podendo levar daqui, alguma paz e consolação, então sinto-me muito feliz” (Ct 1069).
           
Embora a oração mental e contemplativa seja o elemento carismático centrar isso não exclui a participação na liturgia oficial da igreja, que parte integrante da vida carmelita: “O resto gira a volta desta realidade (O diálogo solitário com Deus): Rezamos a liturgia das horas com os sacerdotes e as outras ordens antigas da igreja; e este “ofício Divino ” é para nós como para eles, a nossa primeira e mais sagrada obrigação. Mas para nós esta não é base fundamental. O que Deus opera nas nossas almas durante as horas da oração interior está escondido aos olhos dos homens” (OC v, 564).              

Eucaristia  e o ano litúrgico recebem no ambiente contemplativo e comunitário do Carmelo um sabor especial, que Edith sabe captar e transmitir: “Assim o ano litúrgico é no Carmelo um rosário de lindas festas, celebradas não só no sentido litúrgico, mas também como festas familiares que se vivem numa alegria cordial e estreitam o laço do amor fraterno” (OC V, 71) as grandes celebrações dos mistérios de Cristo, como o Natal e a Páscoa, adquirem um sentido especial. A liturgia não se reduz aos momentos celebrativos, mas impregna o dia interior (cf. Modelo 189 SS.)  

As festas Marianas e Josefinas são celebradas também com grande solenidade no Carmelo. A elas junta – se a outras muito típicas da ordem, que são vividas num ambiente ainda mais familiar: Santo Elias, Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz, Santa Teresinha Teresa Margarida Redi…
           
Outras duas festas adquirem um valor particular: a Exaltação da santa Cruz, no dia 14 de Setembro, o dia em que começa o tempo de jejum, e a Epifania  no dia 6 de Janeiro. Em ambas destas fazia-se a renovação comunitária dos votos. Com o passar dos anos, esta festa vai adquirir cada vez maior sentido na vida de Edith pois, em concreto, tem uma relação directa com a sua vocação pessoal.

Em suma, todos estes aspectos são como que o caminho e os meios que vão ajudá-la a viver em plenitude a entrega diária que a sua vocação implica.
           



“Ao que se entrega incondicionalmente ao Senhor, 
o Senhor escolhe como instrumento 
para instaurar o seu Reino ” 
(Edith Stein)


SANCHO FERMÍN,  F. Javier -  100 Fichas sobre "Edit Stein".  Avessadas: Edições Carmelo, 2008, p.  68 

Recolha  de Fr. Eugénio

20 março, 2013

EUCARISTIA DE INÍCIO DO MINISTÉRIO PETRINO DO BISPO DE ROMA



Queridos irmãos e irmãs!
Agradeço ao Senhor por poder celebrar esta Santa Missa de início do ministério petrino na solenidade de São José, esposo da Virgem Maria e patrono da Igreja universal: é uma coincidência densa de significado e é também o onomástico do meu venerado Predecessor: acompanhamo-lo com a oração, cheia de estima e gratidão.
Saúdo, com afecto, os Irmãos Cardeais e Bispos, os sacerdotes, os diáconos, os religiosos e as religiosas e todos os fiéis leigos. Agradeço, pela sua presença, aos Representantes das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, bem como aos representantes da comunidade judaica e de outras comunidades religiosas. Dirijo a minha cordial saudação aos Chefes de Estado e de Governo, às Delegações oficiais de tantos países do mundo e ao Corpo Diplomático.
Ouvimos ler, no Evangelho, que «José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor e recebeu sua esposa» (Mt 1, 24). Nestas palavras, encerra-se já a missão que Deus confia a José: ser custos, guardião. Guardião de quem? De Maria e de Jesus, mas é uma guarda que depois se alarga à Igreja, como sublinhou o Beato João Paulo II: «São José, assim como cuidou com amor de Maria e se dedicou com empenho jubiloso à educação de Jesus Cristo, assim também guarda e protege o seu Corpo místico, a Igreja, da qual a Virgem Santíssima é figura e modelo» (Exort. ap.Redemptoris Custos, 1).
Como realiza José esta guarda? Com discrição, com humildade, no silêncio, mas com uma presença constante e uma fidelidade total, mesmo quando não consegue entender. Desde o casamento com Maria até ao episódio de Jesus, aos doze anos, no templo de Jerusalém, acompanha com solicitude e amor cada momento. Permanece ao lado de Maria, sua esposa, tanto nos momentos serenos como nos momentos difíceis da vida, na ida a Belém para o recenseamento e nas horas ansiosas e felizes do parto; no momento dramático da fuga para o Egipto e na busca preocupada do filho no templo; e depois na vida quotidiana da casa de Nazaré, na carpintaria onde ensinou o ofício a Jesus.
Como vive José a sua vocação de guardião de Maria, de Jesus, da Igreja? Numa constante atenção a Deus, aberto aos seus sinais, disponível mais ao projecto d’Ele que ao seu. E isto mesmo é o que Deus pede a David, como ouvimos na primeira Leitura: Deus não deseja uma casa construída pelo homem, mas quer a fidelidade à sua Palavra, ao seu desígnio; e é o próprio Deus que constrói a casa, mas de pedras vivas marcadas pelo seu Espírito. E José é «guardião», porque sabe ouvir a Deus, deixa-se guiar pela sua vontade e, por isso mesmo, se mostra ainda mais sensível com as pessoas que lhe estão confiadas, sabe ler com realismo os acontecimentos, está atento àquilo que o rodeia, e toma as decisões mais sensatas. Nele, queridos amigos, vemos como se responde à vocação de Deus: com disponibilidade e prontidão; mas vemos também qual é o centro da vocação cristã: Cristo. Guardemos Cristo na nossa vida, para guardar os outros, para guardar a criação!
Entretanto a vocação de guardião não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação, como se diz no livro de Génesis e nos mostrou São Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos. É guardar as pessoas, cuidar carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do nosso coração. É cuidar uns dos outros na família: os esposos guardam-se reciprocamente, depois, como pais, cuidam dos filhos, e, com o passar do tempo, os próprios filhos tornam-se guardiões dos pais. É viver com sinceridade as amizades, que são um mútuo guardar-se na intimidade, no respeito e no bem. Fundamentalmente tudo está confiado à guarda do homem, e é uma responsabilidade que nos diz respeito a todos. Sede guardiões dos dons de Deus!
E quando o homem falha nesta responsabilidade, quando não cuidamos da criação e dos irmãos, então encontra lugar a destruição e o coração fica ressequido. Infelizmente, em cada época da história, existem «Herodes» que tramam desígnios de morte, destroem e deturpam o rosto do homem e da mulher.
Queria pedir, por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito económico, político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos «guardiões» da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo! Mas, para «guardar», devemos também cuidar de nós mesmos. Lembremo-nos de que o ódio, a inveja, o orgulho sujam a vida; então guardar quer dizer vigiar sobre os nossos sentimentos, o nosso coração, porque é dele que saem as boas intenções e as más: aquelas que edificam e as que destroem. Não devemos ter medo de bondade, ou mesmo de ternura.
A propósito, deixai-me acrescentar mais uma observação: cuidar, guardar requer bondade, requer ser praticado com ternura. Nos Evangelhos, São José aparece como um homem forte, corajoso, trabalhador, mas, no seu íntimo, sobressai uma grande ternura, que não é a virtude dos fracos, antes pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura!
Hoje, juntamente com a festa de São José, celebramos o início do ministério do novo Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, que inclui também um poder. É certo que Jesus Cristo deu um poder a Pedro, mas de que poder se trata? À tríplice pergunta de Jesus a Pedro sobre o amor, segue-se o tríplice convite: apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas. Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio Papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve olhar para o serviço humilde, concreto, rico de fé, de São José e, como ele, abrir os braços para guardar todo o Povo de Deus e acolher, com afecto e ternura, a humanidade inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos, os mais pequeninos, aqueles que Mateus descreve no Juízo final sobre a caridade: quem tem fome, sede, é estrangeiro, está nu, doente, na prisão (cf. Mt 25, 31-46). Apenas aqueles que servem com amor capaz de proteger.
Na segunda Leitura, São Paulo fala de Abraão, que acreditou «com uma esperança, para além do que se podia esperar» (Rm 4, 18). Com uma esperança, para além do que se podia esperar! Também hoje, perante tantos pedaços de céu cinzento, há necessidade de ver a luz da esperança e de darmos nós mesmos esperança. Guardar a criação, cada homem e cada mulher, com um olhar de ternura e amor, é abrir o horizonte da esperança, é abrir um rasgo de luz no meio de tantas nuvens, é levar o calor da esperança! E, para o crente, para nós cristãos, como Abraão, como São José, a esperança que levamos tem o horizonte de Deus que nos foi aberto em Cristo, está fundada sobre a rocha que é Deus.
Guardar Jesus com Maria, guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa, especialmente a mais pobre, guardarmo-nos a nós mesmos: eis um serviço que o Bispo de Roma está chamado a cumprir, mas para o qual todos nós estamos chamados, fazendo resplandecer a estrela da esperança: Guardemos com amor aquilo que Deus nos deu!
Peço a intercessão da Virgem Maria, de São José, de São Pedro e São Paulo, de São Francisco, para que o Espírito Santo acompanhe o meu ministério, e, a todos vós, digo: rezai por mim! 
Amen.

19 março, 2013

São José






«Tomei por advogado e senhor 
ao glorioso São José 
e encomendei-me muito a ele. 
Vi claramente que, 
tanto desta necessidade 
como de outras maiores 
de honra e perda de alma, 
este Pai e Senhor meu me tirou 
com maior bem do que eu lhe sabia pedir. 
Não me recordo até agora 
de lhe ter suplicado coisa 
que tenha deixado de fazer.»

Santa Teresa de Jesus, Vida 6,3

18 março, 2013

O frasco de vidro e o café




Um professor diante da sua turma de filosofia, sem dizer uma palavra, pegou num frasco de vidro, grande e vazio, e começou a enchê-lo com bolas de golfe. A seguir perguntou aos estudantes se o frasco estava cheio. Todos estiveram de acordo em dizer que "sim".

O professor tomou então uma caixa com pedrinhas e vazou-a dentro do frasco. As pedrinhas preencheram os espaços vazios entre as bolas de golfe. O professor voltou a perguntar aos alunos se o frasco estava cheio, e eles voltaram a responder que "sim".

Logo, o professor pegou uma caixa de areia e vazou-a dentro do frasco. Obviamente que a areia encheu todos os espaços vazios e o professor questionou novamente se o frasco estava cheio. Os alunos responderam-lhe com um "sim" unânime.

A seguir, o professor adicionou duas chávenas de café ao conteúdo do frasco. Elas preencheram todos os espaços vazios entre a areia. Os estudantes, desta vez, riram-se.

Quando os risos terminaram, o professor comentou: "Quero que percebam que este frasco representa a vida. As bolas de golfe são as coisas importantes, como Deus, a família, os filhos, a saúde, os amigos, as coisas que nos apaixonam. Se perdêssemos tudo e ficássemos só com estas coisas, mesmo assim a nossa vida ainda estaria cheia. As pedrinhas são outras coisas importantes, como o trabalho, a casa, o carro etc. A areia é o resto, as pequenas coisas.

"Se colocássemos a areia no frasco em primeiro lugar, não haveria espaço nem para as pedrinhas, nem para as bolas de golfe. O mesmo acontece na vida. Se gastássemos todo o nosso tempo e energias com as coisas pequenas, nunca teríamos tempo para as coisas que realmente são importantes.

Presta atenção, em primeiro lugar, às coisas que são realmente importantes para ti. Define quais são as tuas prioridades, e o resto é só areia."

Um dos estudantes levantou a mão e perguntou: - E o que significa o café?

O professor sorriu e disse-lhe: " Alegro-me por teres feito a pergunta! O café demonstra que, por mais ocupada que pareça estar a nossa vida, há sempre um tempo para o tomar com um amigo. ".

Pensa e medita
Esta parábola pode lembrar-nos que, apesar da nossa vida parecer estar muito preenchida, no frasco de cada dia há sempre um espaço um bocadinho de tempo para tomar café com o amigo. Jesus é esse Amigo. Arranja um bocadinho de tempo para a oração. É nela e por ela que Jesus nos faz ver as coisas mais importantes da jornada para nós.
Na correria do dia, Jesus cruza-se comigo e diz-me: «Queres tomar um café»? 

17 março, 2013

DEUS NÃO TEM PLANOS, TEM SURPRESAS!



1. A «caminhada« quaresmal aproxima-se da sua meta e do seu verdadeiro ponto de partida: a Cruz Gloriosa onde resplandece para sempre o Rosto do imenso, indizível, surpreendente amor de Deus. Nestaaltura do percurso (supõe-se que encetámos uma subida espiritual: entenda-se no Espírito Santo e com o Espírito Santo), baptizados e catecúmenos devem estar já a ser Iluminados por essa luz, a ponto de se desfazerem das «obras das trevas» e de abraçarem as «obras da Luz», como verdadeiros discípulos que seguem o Mestre até ao fim, que é também o princípio, a Fonte da Vida verdadeira donde jorra o Espírito Santo (sempre Actos 2,32-33; João 19,30 e 34; 7,37-39). Os catecúmenos têm neste Domingo V da Quaresma os seus terceiros «escrutínios»: última «chamada» para a Liberdade antes da Noite Pascal Baptismal.

 2. Deus não tem planos, tem surpresas. É, portanto, sempre desmedido e surpreendente quanto vem de Deus. Brota do excesso de Deus, que supera em muito as nossas necessidades e capacidades. Aí está, neste Domingo V da Quaresma, a imensa lição do Evangelho de João 8,1-11. Esta passagem parece uma incrustação no IV Evangelho, pois interrompe o discurso de Jesus durante a Festa das Tendas (7,1-8,59), não aparece nos manuscritos mais antigos e nos códices antigos mais importantes dos Evangelhos, nem nos Padres gregos. Omitem-na nos seus comentários Orígenes, João Crisóstomo, Teodoro de Mopsuéstia, Cirilo de Alexandria, Teófilo, Tertuliano, Cipriano, Hilário e Taciano. Os Padres latinos Ambrósio, Agostinho e Jerónimo conhecem-na noutro lugar. Alguns manuscritos situam esta perícope no Evangelho de João depois de 7,36, outros depois de 7,44, outros depois de 7,52, ou mesmo no final, depois de 21,25. Outros ainda introduzem-na no Evangelho de Lucas (depois de 21,38). Por outro lado, a perícope não tem o estilo joanino. Está, de facto, mais perto do estilo lucano.

 3. Fixemos a nossa atenção no movimento do texto. Jesus SENTA-SE como MESTRE, para ensinar, e SENTADO como MESTRE permanece na cena até ao fim. Apenas se inclina para o chão, e de novo se endireita, nunca deixando, porém, a posição de SENTADO. Portanto, permanecendo SENTADO, está sempre na cátedra a ensinar. Nele tudo é lição. São lição os seus gestos; são lição as suas palavras.
 4. Entram na cena os «impecáveis» do costume: os escribas e os fariseus. Desta vez não vêm sós. Trazem uma mulher apanhada em flagrante adultério. Eles conhecem a Lei de Moisés, que citam a propósito, para dizer que tais mulheres devem ser apedrejadas. Mas, roídos de malícia, querem saber o que, sobre este assunto preciso, tem a dizer o MESTRE Jesus. Só isto: permanecendo SENTADO como MESTRE, inclinou-se, e, COM O DEDO, escrevia no chão.

 5. Os escribas e fariseus tinham compreendido mal a Lei, citando só metade, pois a Lei diz que, em caso de adultério, morrerão os dois: o homem e a mulher (Levítico 20,10; Deuteronómio 22,22). Tão-pouco estavam a compreender a resposta do MESTRE Jesus ao parecer jurídico que lhe tinham pedido. E era clara a lição: na verdade, há apenas outra circunstância na Escritura Santa em que alguém escreve COMO O DEDO: as tábuas de pedra escritas pelo DEDO DE DEUS no Sinai (Êxodo 31,18; Deuteronómio 9,10). Claramente: o MESTRE que escrevia COM O DEDO era Deus! Conhecia a Lei, mas conhecia também os Profetas, pois ao ESCREVER NO CHÃO, está a ler Jeremias que diz que «os que se afastam de YHWH serão escritos no chão» (17,13). Jesus conhecia a Lei e os Profetas, isto é, a inteira Escritura Santa, e conhecia também os homens por dentro (João 2,24-25). Permanecendo SENTADO, endireitou-se e disse-lhes: «Aquele que estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra!». Inclinou-se novamente e continuava a escrever. Saíram todos, a começar pelos mais velhos, diz-nos o narrador, recorrendo com certeza outra vez a Jeremias 17,13, que diz ainda que «os que abandonam YHWH serão cobertos de vergonha». É esta vergonha que faz com que todos se vão embora, um após outro, a começar pelos mais velhos, os primeiros a sentir o peso da vergonha. Ontem como hoje: os mais novos chegam lá sempre depois.
 6. Ao comentar este episódio, Santo Agostinho diz luminosamente que só ficaram dois em cena: a miserável e a misericórdia! Os escribas e fariseus prenderam e acusaram a mulher, mas foram eles que se sentiram acusados, desvendados, lidos, descobertos no esconderijo do seu próprio pecado! Nem sequer viram a mulher como uma pessoa: nunca falam com ela ou para ela; falam simplesmente dela, como se de um objecto se tratasse. É o MESTRE Jesus o primeiro na cena que fala para a mulher, e não a prende, mas liberta-a, colocando-a no caminho novo da liberdade: «Vai e não tornes a pecar», diz-lhe Jesus.

Aproximou-se um homem habituado
ao uso inveterado do silêncio
o seu olhar varrendo toda a fraude
das palavras
Aproximou-se firme e impoluto
Esquadrinhou as faces oxidadas
da mentira
Olhou depois o chão como quem abre
um sepulcro
e lentamente desenhou
o puro rosto da verdade
sobre a areia

 7. O anónimo profeta do exílio, o chamado «Segundo Isaías» (Isaías 40-55), põe hoje Deus a interpelar-nos assim directamente, como Jesus no Evangelho: «Eis que vou fazer uma coisa nova! Ela já desponta: não a compreendeis?» (Isaías 43,19). A nós compete entender a obra sempre nova e surpreendente de Deus, que ultrapassa sempre a medida do nosso coração e da nossa capacidade de compreensão! Pode o deserto florir, encher-se de água, e pode o mar encher-se de caminhos. Pode sempre a semente germinar antes do tempo, e a espiga amadurar antes do campo!
 8. Paulo pode bem ser hoje o modelo a seguir (Filipenses 3,8-14): esquecendo o que fica para trás, atira-se todo para a frente, para Cristo.

 Quando Jesus irrompe na vida de alguém,
interrompe a normalidade de um percurso,
e rompe essa vida em duas partes desiguais:
uma que fica para trás,
outra que se abre agora à nossa frente,
recta como uma seta directa a uma meta,
a um alvo, um objectivo intenso e claro,
tão intenso e claro que na vida de cada um
só pode haver um!
D. António Couto, In Mesa de Palavras

16 março, 2013

«Porque eu sou bom» (II)



Aprofundemos a Palavra

            É a vez de tentar descobrir o significado de alguns desses elementos e de me perguntar pelo ensinamento do Jesus de Mateus. Para se compreender bem esse ensinamento, ajuda muito saber o ambiente que está por detrás do texto.

            - Pai de família: a figura de Deus. A Ele pertence o Reino e a iniciativa da chamada.
- Reino dos Céus: um mundo novo de salvação e vida plena, oferecido a todos sem excepção.
            - Vinha: imagem do Antigo Testamento para designar o povo eleito (Sl 78,9; Is 5,1). É o povo do Senhor, a Igreja, a comunidade cristã.
            - Horas: o dono da vinha sai ao amanhecer, a meio da manhã, ao meio-dia, a meio da tarde e ao cair da tarde.
            - Os trabalhadores da primeira hora e da última hora: os cumpridores acérrimos da lei (escribas e fariseus) e os não cumpridores (pecadores). Os cristãos provindos do judaísmo e os cristãos provindos do paganismo. Os que passaram todos os dias da sua vida na intimidade com Deus e na escuta da Sua palavra e os que andaram arredados delas.
            - O mesmo salário: Nesta vinha, não há trabalhadores mais importantes do que os outros, não há trabalhadores de primeira e de segunda classe. Mas todos têm a mesma dignidade e importância.
            - O trabalho na vinha: os diversos serviços ou ministérios a desenvolver na comunidade. Qual é o meu lugar ou a minha tarefa a realizar na vinha do Senhor?
            - O comportamento do dono da vinha: uma denúncia da religião dos “méritos”, ensinada pelos guias espirituais de então. Estes tinham levado o povo a substituir o Deus bom, pai, esposo e amigo fiel, anunciado pelos profetas, por um deus distante, legislador, juiz, negociante e contabilista.

            Ambiente

            Neste texto proposto pelo evangelista, Jesus continua a instruir os discípulos, a fim de que compreendam a realidade do Reino e, após a sua partida, dêem testemunho dele.
O cenário que a parábola nos mostra reflecte bastante bem a realidade social e económica dos tempos de Jesus. A Galileia estava cheia de camponeses que, por causa da pressão fiscal ou de anos contínuos de más colheitas, tinham perdido as terras que pertenciam à sua família. Para sobreviver, esses camponeses sem terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e esperavam que os grandes latifundiários os contratassem para trabalhar nos seus campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada senhor tinha os seus “trabalhadores” em quem ele confiava e a quem contratava regularmente. Naturalmente, todos eles recebiam um tratamento de favor. Esse tratamento de favor implicava, concretamente, que esses “trabalhadores” fossem sempre os primeiros a ser contratados, a fim de que pudessem ganhar um dia de serviço. 

Ensinamento

A parábola refere-se a um dono de uma vinha que, ao romper da manhã, se dirigiu à praça e chamou os seus “clientes” para trabalhar na sua vinha, ajustando com eles o preço habitual: um denário. As muitas tarefas a realizar na vinha fez com que ele voltasse a sair outras vezes e trouxesse um novo grupo de trabalhadores. O trabalho decorreu sem problemas, até ao final do dia. Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho. Todos receberam o mesmo: um denário. Porém, os trabalhadores da primeira hora, ou seja, os “clientes” habituais do dono da vinha, manifestaram a sua surpresa e o seu desconcerto por, desta vez, não terem recebido um tratamento “de favor”.
A resposta final do dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem excepção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam no fim?
Quase de certeza que a parábola, primeiramente, serviu a Jesus para responder às críticas de quem se opunha ao seu comportamento demasiado próximo aos pecadores. Através dela, Jesus revela que o amor do Pai se difunde sobre todos os seus filhos, sem excepção e por igual. Para Deus, não é fulcral a hora a que se respondeu ao seu apelo; o que é fulcral é que se tenha respondido ao seu convite para trabalhar na vinha do Reino. Para Deus, não há tratamento especial por razões de antiguidade; para Deus, todos os seus filhos são iguais e merecem o seu amor.
A parábola serviu também a Jesus para pôr por terra a ideia que os guias espirituais de Israel tinham de Deus e da salvação. Para os fariseus, sobretudo, Deus era um patrão que pagava conforme as acções do homem. Se o homem cumprisse escrupulosamente a Lei, conquistaria determinados méritos e Deus pagar-lhe-ia convenientemente. O seu “deus” era uma espécie de comerciante, que todos os dias apontava no seu caderno de contas as dívidas e os créditos do homem, que um dia faria as contas finais, veria o saldo e daria a recompensa ou aplicaria o castigo. Segundo este ponto de vista, Deus não dá nada; é o homem que conquista tudo.
Para Jesus, no entanto, Deus não é um comerciante, sempre de lápis em punho a fazer contas para pagar aos homens consoante os seus merecimentos. Ele é um pai, cheio de bondade, que ama todos os seus filhos por igual e que derrama sobre todos, sem excepção, o seu amor.
A parábola foi mais tarde proposta pelo evangelista à sua comunidade para iluminar a situação concreta que a mesma estava a viver com a entrada maciça de pagãos na Igreja. Alguns cristãos de origem judaica não conseguiam entender que os pagãos, vindo mais tarde, estivessem em pé de igualdade com aqueles que tinham acolhido a proposta do Reino desde a primeira hora. Mateus deixa, no entanto, claro que o Reino é um dom oferecido por Deus a todos os seus filhos. Judeus ou gregos, escravos ou livres, cristãos da primeira ou da última hora, todos são filhos amados do Pai. Na comunidade de Jesus não há graus de antiguidade, de raça, de classe social, de merecimento. O dom de Deus é para todos, por igual.       

Acolhamos o ensinamento

            O que se pretende aqui é entrar em diálogo com a palavra de Deus, através de algumas questões: Que me diz Jesus? Põe-me alerta contra quê? Que atitude me sugere no dia-a-dia?

O Deus que Jesus me revela é um Deus que não faz negócio comigo. Ele não precisa da minha mercadoria. Não me contabiliza os créditos, nem me paga em consequência. O Deus que Jesus me anuncia é um Pai que me quer ver livre e feliz, derramando sobre mim o Seu amor de forma gratuita e incondicional.
Jesus pede-me que, ao entender esta verdade sobre Deus, isto é, que Ele não é um negociante mas um pai cheio de amor por mim, renuncie a uma lógica interesseira no meu relacionamento com Ele. Como seu filho, não devo fazer as coisas por interesse mas por estar convicto de que o comportamento que Ele me propõe é o caminho para a verdadeira vida. Quem segue o caminho certo, é feliz, encontra a paz e a serenidade e colhe, logo aí, a sua recompensa.     
O seu Reino é para mim e para todos, sem excepção. Para Ele não há marginalizados, excluídos, indignos, desclassificados… Para Ele, há homens e mulheres – todos seus filhos, independentemente da cor da pele, da nacionalidade, da classe social – a quem Ele ama, a quem Ele quer oferecer a salvação e a quem Ele convida para trabalhar na sua vinha.

Oremos com o ensinamento

            A oração é a nossa resposta a Deus; ela emerge da escuta, do aprofundamento e do acolhimento do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor sob diversas formas.

            Senhor, ensina-me a estar diante de ti com um coração livre daqueles preconceitos que ofuscam em mim a tua imagem. Dá-me um coração simples que saiba perceber, na palavra das Sagradas Escrituras, meditadas quotidianamente, o teu rosto de Deus que salva, se torna próximo de cada homem para libertá-lo do pecado. Um coração capaz de usufruir de tudo o que me ofereces, disposto a uma escuta obediente.

Apliquemo-lo à vida

            Tudo teria sido em vão se o ensinamento não viesse a dar fruto na minha existência. Quais as medidas concretas a assumir a partir deste ensinamento que escutei, aprofundei, acolhi e orei?

                Estarei mais atento ao meu trabalho na Sua vinha e ao espírito com que o faço. Farei tudo por dar a conhecer o Seu rosto de bondade e generosidade aos meus irmãos. Alegrar-me-ei com a chegada de novos trabalhadores e não requererei qualquer tipo de privilégios ou qualquer superioridade sobre esses irmãos.
Pe. Vasco

15 março, 2013

Homilia do Papa Francisco na Eucaristia de encerramento do Conclave



Vejo que estas três Leituras têm algo em comum: é o movimento. Na primeira Leitura, o movimento no caminho; na segunda Leitura, o movimento na edificação da Igreja; na terceira, no Evangelho, omovimento na confissãoCAMINHAR, EDIFICAR, CONFESSAR.
CAMINHAR. «Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à luz do Senhor» (Is 2, 5). Trata-se da primeira coisa que Deus disse a Abraão: caminha na minha presença e sê irrepreensível. Caminhar: a nossa vida é um caminho e, quando nos detemos, está errado. Caminhar sempre, na presença do Senhor, à luz do Senhor, procurando viver com aquela irrepreensibilidade que Deus pedia a Abraão, na sua promessa.
EDIFICAR. Edificar a Igreja. Fala-se de pedras: as pedras têm consistência; mas pedras vivas, pedras ungidas pelo Espírito Santo. Edificar a Igreja, a Esposa de Cristo, sobre aquela pedra angular que é o próprio Senhor. Aqui temos outro movimento da nossa vida: edificar.
Terceiro, CONFESSAR. Podemos caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG piedosa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se caminha, ficamos parados. Quando não se edifica sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo que às crianças na praia quando fazem castelos de areia: tudo se desmorona, não tem consistência. Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: «Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo». Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demónio.Caminhar, edificar-construir, confessar. Mas a realidade não é tão fácil, porque às vezes, quando se caminha, constrói ou confessa, sentem-se abalos, há movimentos que não são os movimentos próprios do caminho, mas movimentos que nos puxam para trás.
Este Evangelho continua com uma situação especial. O próprio Pedro que confessou Jesus Cristo com estas palavras: Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo, diz-lhe: Eu sigo-Te, mas de Cruz não se fala. Isso não vem a propósito. Sigo-Te com outras possibilidades, sem a Cruz. Quando caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor. Eu queria que, depois destes dias de graça, todos nós tivéssemos a CORAGEM, sim a coragem, DE CAMINHAR NA PRESENÇA DO SENHOR, COM A CRUZ DO SENHOR; DE EDIFICAR A IGREJA SOBRE O SANGUE SDO SENHOR, QUE É DERRAMADO NA CRUZ; E DE CONFESSAR COMO NOSSA ÚNICA GLÓRIA CRISTO CRUCIFICADO. E assim a Igreja vai para diante.
Faço votos de que, pela intercessão de Maria, nossa Mãe, o Espírito Santo conceda a todos nós esta graça: caminhar, edificar, confessar Jesus Cristo Crucificado. Assim seja.


Homilia do Papa Francisco na Missa de conclusão do Conclave – 14.03.13